Arquivo da tag: borracha sabor tutti-frutti

Estação Consolação

#Juliana

Juliana não procurava necessariamente um namoro, mas queria encontrar um cara legal. Nos finais de semana, um de seus maiores prazeres era ir à praia sentir a brisa no rosto e analisar as pessoas. Gostava de reparar nos cabelos, pele e expressões, e tentar imaginar o tipo de vida que elas tinham. Começava tentando desvendar a profissão e evoluía para os relacionamentos e a personalidade. Sentia falta de alguém para compartilhar suas certezas.

Apaixonada por cinema, Juliana costumava assistir comédias românticas e achava os filmes intelectuais muito chatos. Parecia um paradoxo, já que adorava reparar em comportamentos, mas seu interesse em ver filmes era aquietar os pensamentos. Questionamentos despertam a mente e nos fazem acordar dos sonhos, e Juliana queria apenas entrar na fantasia e ter alguém para dividir a pipoca e fazer carinho nas mãos. Suas unhas eram um pouco compridas e gostava de passá-las levemente na pele e ver os pelos eriçarem. Juliana precisava de um antebraço sincero para arrepiar durante os filmes.

#Guilherme

Guilherme era considerado um cara legal por quase todos. Tranquilo, costumava sorrir ao responder às pessoas e isso causava nelas uma empatia instantânea. Era um pouco confuso por dentro, mas aprendera instintivamente que lábios entreabertos e levemente arqueados são resposta suficiente para a maioria das perguntas. Afinal, as pessoas não questionam verdadeiramente as coisas, apenas pedem, através de indagações, confirmações. E é exatamente isso que viam refletido no sorriso dele.

Ler era o principal passatempo de Guilherme. Adorava cadenciar as informações e adaptá-las à velocidade do seu raciocínio, de tal forma que não perdesse nenhum detalhe sobre os personagens. Não conseguia, aliás, se ater à história, era genuinamente apaixonado pelos personagens. Achava solitário ter tantas impressões sobre a personalidade deles e não ter alguém que pudesse ao menos sorrir quando ele as comentasse. Queria alguém que olhasse em seus olhos fingindo interesse em suas observações irrelevantes. Guilherme precisava de unhas que arrepiassem sua nuca durante suas opiniões.

#Juliana e #Guilherme

Juliana descia a escada rolante da estação Consolação do metrô com seu smartphone em mãos. Ficara presa em uma posição incômoda, pois uma senhora se postou à direita e ela teve de ficar à esquerda, com o corpo levemente virado para a escada rolante que subia. Guilherme, por sua vez, estava distraído com seu telefone quando colocou os pés na escada rolante que subia em direção à saída da estação. Por isso, mal percebera que estava no lado esquerdo (o lado da saída), com o corpo voltado para a escada rolante que descia.

No momento exato em que Juliana, concentrada em seu smartphone, postou uma mensagem em uma rede social, Guilherme e ela se cruzaram na escada rolante em sentido contrário. Ele, por sua vez, acabara de notar a nova mensagem surgindo em sua linha do tempo, postada por uma desconhecida que ele simpatizava muito. “Às vezes, o que procuramos está mais próximo do que imaginamos”, dizia. Guilherme curtiu.

Chegando no final da escada, próximo à saída da estação, Guilherme parou ao lado e pensou em mandar uma mensagem a Laura, com quem havia saído semanas antes. Não tinham muito em comum, mas sentia que era o que tinha disponível para o dia. Antes de enviar, lembrou-se da postagem da desconhecida e olhou a sua volta, mas não encontrou ninguém interessante. Riu do seu ato. Só então enviou a mensagem convidando Laura para sair e decidiu mandar também uma resposta à autora da postagem: “Já imaginou se o que procuramos fosse como os clichês, que estão em toda parte?”.

Juliana ia cruzar a catraca do metrô quando parou ao lado para ler a nova mensagem que acabara de receber. Era Pablo, um rapaz lindo e vazio que insistia em sair de novo para transar com ela. Não estava muito afim, mas aceitou, pois sentia que era o que tinha disponível para o dia. Instantaneamente, se lembrou do que acabara de postar e decidiu reler, na esperança inconsciente de acreditar nas suas próprias palavras.

Ao abrir a postagem, Juliana encontrou a resposta de Guilherme. Riu da analogia e curtiu. “Seria bom mesmo”, respondeu. “Clichês são parte do nosso idiota cotidiano”.

5 Comentários

Arquivado em @arturdotcom